Dona-de-casa #fail

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Desde que me conheço por gente, o sonho da minha mãe é que eu seja uma ótima dona de casa. Não é por maldade…. É por criação. Mas, como boa ovelha negra da família, que sempre fui, a “incompetência” não foi dela: eu sempre nadei contra a corrente.

Não sou exatamente uma péssima dona de casa, porém, para quem quem possui o mínimo conhecimento de causa, percebe que não tenho muito jeito. Cresci com dois irmãos, que não tinham o mínimo de obrigação doméstica. Por outro lado, eu não podia nem questionar o porquê, se éramos todos irmãos, eles tinham privilégios e eu não. De raiva, eu não fazia. Vivi boa parte da minha adolescência de castigo por ser desobediente. Também era acusada de ser ruim, de não ter coração por não ajudar a mãe. No entanto, nenhum argumento me comovia. Preferia o castigo.

Meus pais não conversavam muito sobre estudo comigo, nem sobre carreira. Não lembro se algum dia foram a alguma reunião de pais. Não perguntavam minhas notas. Minha obrigação era passar de ano. Afinal, eu não poderia ser uma esposa burra. Estudei em colégios ótimos, verdade. No entanto, também não lembro de ser questionada ou orientada sobre que carreira gostaria de seguir. Quem me cobrava era a escola, porque, afinal de contas ela era ótima, e já sabia que eu tinha que conquistar meu espaço.

Não fui incentivada a ler. Mas, na minha casa havia muito (muitos!) livros. Meu pai comprava, porque achava que a estante ficava muito elegante cheia de coleções de capa dura. E era verdade. E, acredito que tenha sido num dos momentos de ócio do castigo, que fiquei intrigada olhando para tantos livros, que nunca haviam sido mexidos. Ora, como seria possível que no meio de tantos, não existiria pelo menos UM que fosse interessante?

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Na verdade eu já havia fuxicado alguns sobre “educação sexual”, por curiosidade. Aparelho reprodutor feminino. Não se falava disso na escola, e muito menos em casa. Via as imagens ilustrativas para tentar conhecer meu corpo. Única coisa que eu sabia era que um dia sairia um “sanguinho” de mim, e isso queria dizer que eu estava “mocinha”. Mas, eu também não entendia o que isso significava.

Um dia resolvi arriscar em outra área. Queria um livro para entretenimento, que não tivesse a ver com as chatices da escola. Escolhi um dos mais finos, para não correr o risco. Queria um aperitivo. Li “O retrato de Dorian Gray”. O resultado vocês já sabem. Mais tarde descobri que li muitos clássicos da literatura mundial, sem obrigações acadêmicas, por lazer, nos momentos que ficava de castigo por me recusar a, talvez, lavar a louça.

Percebi também que o mundo além da minha casa era outro que não me dava privilégios. Não era apenas dentro da minha casa que eu ficava de castigo. Todos me obrigavam a ser, a fazer, a ter, a qualquer coisa que ninguém havia me perguntado se eu queria, se eu permitia, se me interessava. Difícil se impor. Difícil ter opinião sem ser ridicularizada. Difícil vencer uma discussão quando já estão determinados a não te ouvir. Difícil lidar com homens. Difícil lidar com mulheres.

Morando sozinha percebi que eu não só não sabia o que eu “deveria” saber, como também não sabia o que ninguém achou que um dia poderia. Comprei uma caixa de ferramentas, que foi se aperfeiçoando com o tempo. Aprendi a usar furadeira. E tive que vencer o pior de todos os medos: o de baratas. Parei de ter medo e passei a ter ódio. Tive que enfrentá-la diversas vezes, com sangue nos olhos. Uma gladiadora.

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Sou mãe de uma menina. Finalmente algo que parecia familiar: brincar de bonecas. Mas, a primeira vez que segurei aquele pacotinho, era oficial: deixa a criança brincar do que quiser, porque absolutamente nada nos influencia ou prepara para realidade. Diz minha mãe que uma vez meu pai comprou um carrinho pra mim, e eu (que tinha uns dois anos) adorei. Ela, por sua vez, brigou com ele e lhe fez ir à loja trocar por um brinquedo de menina. Convencido do erro, ele trocou. Parece que a primeira oportunidade que tive, fiz xixi em cima da boneca. Ele foi lá e comprou o carrinho de volta. E eu brinquei de um tudo quando criança, viu? Mais tarde gostei muito de bonecas, de brincar de casinha…mas eu tinha um carrinho de rolimã que era venenoso. Gostava de brincar com os meninos também… E mesmo que eu acabasse por não gostar da brincadeira, queria aprender por curiosidade. Assim soltei algumas pipas (aqui no Rio a gente chama de “cafifa”) e joguei bolas de gude.

Lembro que quando eu estava grávida cheguei a desejar um menino. Sim, porque, pra mim, meninos são livres. Meninos não ficam de castigo, podem andar quase pelados no calor, são mais fortes fisicamente e são mais acolhidos pelo mundo. Não subestimem quando digo que quis um menino por amor. Mas este desejo foi diminuindo à medida que eu percebia que a maternidade em si era o maior desafio, independente se fosse um menino ou uma menina.

Meus pais não foram ruins para mim. Eles foram pais que tentavam acertar. Tenho certeza que eles acreditavam que era para o meu bem.

Julgo-me boa mãe. Acredito que a gente aprende a amar com o amor dos nossos pais…e eu tive muito, afinal, uma menina, além de tudo, era criada para ser amada e cuidada.

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Não tracei algum plano estratégico para a educação da minha filha. Sigo meus instintos. Permaneço com os acertos dos meus pais, e evito os erros. Sim, EVITO, porque educação fica enraizada. Às vezes noto que posso estar errada, quando percebo que um assunto foi encerrado de forma que não tenha me dado a absoluta certeza da minha decisão. O olhar dela para mim é diferente. Não é apenas uma pirraça. É sentimento. Então a gente conversa. Já voltei atrás algumas vezes. Mal sabe ela que analisei até a posição de suas sobrancelhas, no meio do nosso silêncio à espera da minha resposta.

Não deixo minha filha xingar, porque não faz parte do vocabulário infantil. Oriento que ela “tenha modos”, sim, porque não quero que ela se exponha. Nunca lhe comparei a um menino. Na hora das tarefas domésticas, a psicologia vai depender do meu estado de espírito: ou será “Cata essa p*rra toda, porque não sou sua escrava” ou “meu amor, a casa é NOSSA, então você também tem que cuidar”.

Talvez eu tivesse ficado menos de castigo se fôssemos todas meninas. No fundo, teria sido mais fácil ter me conformado. É muito solitário nadar contra corrente. Mas, pensando bem… melhor nadar contra corrente do que lavar a louça, né verdade? Deus me livre.

Resistir o irresistível

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Sabe quando você quer algo que se não é ilegal, é imoral ou, quem sabe, engorda? Nada que tire seu sono, sua paz, mas que mexe com seus sentidos nos momentos mais inoportunos. Coisa louca essa de vida da gente, do corpo da gente, da cabeça da gente. Julgo não ter muitos pecados, mas alguns, irremediavelmente, me tiram do céu. Mas, não pensem que tenho prazer pelo que é, quem sabe, proibido. O irresistível é, sem dúvidas, ser proibida.

Empty Garden

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Who lived here?
He must have been a gardener that cared a lot,
Who weeded out the tears and grew a good crop.
And we are so amazed! We’re crippled and we’re dazed….
A gardener like that one, no one can replace.

Elton John

Saudades, pai.

Amigo de quem?

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Andei me perguntando se tenho bons amigos. Depois me perguntei se eu sou uma boa amiga. E depois de tanto me questionar, eu não soube responder exatamente nenhum dos casos.

Antes que você aí, meu amigo, se ofenda, não é uma crítica. É uma reflexão, porque… Não somos todos humanos? Não estamos todos expostos às imperfeições? Não somos todos maus em algum momento? Não é da nossa natureza sermos essa mistura de amor e ódio? O que faz de nós melhores ou piores?

Tenho certeza que em algum momento da minha vida fui invejosa. Tenho certeza que já fui falsa, mentirosa, mesquinha, egoísta. Se você me perguntar em que momento, eu não sei, mas o amigo sabe. Assim como eu sei dele também. Talvez eu seja ruim? Acho que sim, quem sabe? Às vezes eu não ligo? É, não ligo. Por quê? Porque todas as vezes tive justificativas que dei para mim mesma. Em minha defesa, sei que muitas vezes errei tentando acertar. Outras, errei, porque errei.

Acredito, quase que religiosamente, que alguém que reclama do que atrai, da vida injusta que lhe traz toda natureza de “amigos” ruins, seja uma pessoa rejeitada pelo seu meio. Se você só atrai falsidade, você é uma pessoa fraca. Se você atrai fofoca, você é fraca. Se você só atrai infidelidade, você é fraca. Você não é vítima, você é fraca. Você não é boazinha, você é fraca. Você permanece nesse ciclo vicioso de palavras e atitudes medíocres, porque você não consegue andar para frente.

Outra certeza que tenho é que quanto mais se brilha, mais ofuscados outros se sentem. As pessoas criticam o que você veste? Você brilha. Criticam o que você fala, como fala, o porquê fala? Você brilha. Subestimam suas conquistas? Você brilha. O que você faz com seu corpo incomoda? Você brilha. “Ainda” falta você ser qualquer outra coisa que você não é? Você brilha. Você anda para frente e tentam te trazer para trás? Você brilha. Te acham muito feliz? Você brilha. Você consegue sorrir, mesmo que o mundo inteiro acha que a vida está difícil demais para você achar graça? Você BRI-LHA.

Claro que não sou esperta, nem tenho sensibilidade o suficiente para saber me proteger das fatalidades de vida. Também não sei ensinar a se protegerem de mim. Sim, vamos nos decepcionar, e vamos decepcionar os outros. Eu tenho justificativas, e o pior é que os outros também. O que eu aprendi foi a, minimamente, perceber que desaprovo certas atitudes e valores num relacionamento. Evito que se repita determinadas situações, para o meu bem estar emocional. Faça o mesmo comigo, caso seja necessário.

Interessante que outro dia li sobre pessoas que saem de nossas vidas, porque Deus nos protege, ou que a energia dela era diferente da sua, coisa e tal. Mas, por que o protegido sou eu? Por que sou o centro do universo e as pessoas entram e saem da minha vida para o meu aprendizado, para meu livramento, para que minha luz seja protegida de energias cosmicamente negativas? Na moral? Porra nenhuma. Está tudo misturado. O que temos que fazer é buscar o nosso espaço. Buscar pessoas que estão de acordo com a nossa sensibilidade.

Acredito que a essa altura do campeonato consegui reunir grandes pessoas que fazem parte da minha vida. Pessoas que admiro de alguma forma e que estão em sintonia com meus valores. Acredito também que é recíproco. Nunca seremos suficientemente “não-decepcionantes”. Nem com a gente mesmo.

Ser mãe ou não ser, eis a questão

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Com tantas mulheres “lutando pelo direito” de não serem mães, há aquelas que lutam pelo direito de serem em paz.

Em momento algum pensei na questão do aborto. A questão é o impasse que há entre dois lados que deveriam ter o direito de suas escolhas, independente dos motivos. Tenho amigas solteiras, preocupadas com seu relógio biológico. Mulheres fortes, independentes, que, por algum motivo que não sabem explicar, mas gostariam de ser mães. Tenho amigas casadas, que tentam há anos, e não conseguem engravidar. Assim como existem mulheres que estão muito bem com suas escolhas. Casadas ou solteiras, sem filhos e felizes com sua opção. Não tem papo de relógio biológico, e morrem de tédio com as cobranças das tias ou qualquer outra pessoa inconveniente que tenta impor um filho para sintam a sublime sensação ser uma mulher “completa”.

Particularmente, ser mãe não fazia parte dos meus planos. Eu não tinha paciência com amigas mães. Sair para almoçar com filho é um pesadelo. Não dá para conversar sem ser interrompido. Criança quer água, quer fazer xixi, quer qualquer coisa que você não quer participar. E para falar a verdade, até hoje, sair com amiga com filho SEM a minha filha, nem pensar. Eu que não vou ficar me fazendo de mãe compreensiva com o próximo, justamente no meu momento livre.

Sim, criança é muito chato. Criança chora e depende de você para tudo. Enquanto Marina usava fraldas e tomava mamadeira, eu me sentia a mais corna do mundo, carregando uma bolsa de bebê para cima e para baixo. Ali tem fralda, Hipoglós, lenço umedecido, água, leite, brinquedinhos (que eles odeiam já), toalhinha de mão, chupeta e roupas extras. E eu como sou solteira (e sem carro!), sempre carreguei Marina e a bolsa sozinha. Ninguém tinha paciência. E na praia? Nem te conto.

O cansaço físico e emocional é indescritível. Se Marina fica doente, eu não durmo. Não só porque estou cuidando dela, mas também porque fico angustiada. Enquanto ela não melhora, parece que eu não respiro.

Já li alguns textos de mulheres que não acreditam em mães felizes. Mães são seres exaustos, que deixam de cuidar de si, que abrem mão da sua independência, deixam de ser livres, escravizadas pela maternidade, tadinhas.

Olha, não deixa de ser verdade. A princípio a gente fica tão exausta, que os poucos minutos que “sobram” a gente só quer dormir. Perde-se a vaidade e a certeza de que aquela vida LOKA que tínhamos, virará histórias incríveis para nossos lindos netos.

Mas, por outro lado, existe uma história lá no final daquele armário que você entrou para se esconder. Uma espécie de Nárnia. A primeira vez que ouvi o som do coração da minha filha foi a sensação de amor mais indescritível de toda uma vida. Dizem que é maravilhoso voar de asa delta, que é uma experiência incrível. Acho que ser mãe é essa experiência radical. Porra, criança chora pra caralho. Tem que dar de mamar, tem que dar banho, tem vacina, tem pediatra, tem não sei o quê que aparece do nada e tem que correr para emergência. Tem gripe, tem febre, tem nebulização. Tem que se VIRAR para dar remédio, porque a criança chora, cospe, vomita. Aí, corre de volta para o hospital, e arruma uns três enfermeiros lutadores de UFC para conseguir segurar a criança para dar injeção. E mais: minha filha me olha do tipo “você me traiu”.

Não, eu não amo ser mãe exatamente. Eu amo DEMAIS a minha filha. Amo ver minha filha feliz. Amo fazê-la feliz. E eu nunca soube de histórias de amor que fossem fáceis. Posso fazer uma lista infinita de “contras”, mas te dou apenas uma razão para ser mãe: todo amor que a gente sente.

No começo é mais difícil e cansativo. Porém, à medida que a criança vai crescendo vai ficando mais fácil. Elas ficam mais independentes… Mais caras também! Consequentemente, a gente vai se moldando à nova vida. Volta a vaidade, o tempo pra gente, para os amigos… E Marina já sabe que também gosto de gastar dinheiro comigo, e que espere a minha vez. Ela é minha melhor amiga e melhor companheira. DE VERDADE. Adoro levá-la para passear… Mas, apesar de sob um forte olhar de pressão e traição, não, hoje mamãe não vai levar você. Sim, a gente se consegue de volta!

Ninguém mente quando diz que é feliz com sua escolha… Só aquelas pessoas que precisam subestimar as escolhas dos outros como justificativa.

Se seu relógio biológico tem te incomodado, eu te diria para não pensar nisso, não. Ser mãe dá um trabalho danado! Para quem quer uma nova fase da sua vida conjugal, um amor em comum, eu diria que é isso aí! E para quem diz que não quer ter, é isso aí também! É isso aí para todas as escolhas e motivos! Mas, por que não falar o mesmo para a outra preocupada com a idade? Porque ela está preocupada com a idade! É outra discussão. Quase a mesma que o medo de ficar solteira para sempre. E sobre isto falaremos outro dia.

Bem, agora preciso parar de escrever, porque Marina quer usar o computador. Não tem outro, não? Tem, mas ela gosta deste aqui. (Ah é, tem hora que ela acha que manda em tudo)

Nós, sorvete e shopping

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Dia desses estávamos eu e minha filha tentando comprar um sorvete no shopping. Fomos aos três quiosques do McDonald’s e não conseguimos. Um, porque a gente tinha que enfrentar junto a mesma fila com as 150 mil pessoas que tentavam comprar seu lanche. No way. No outro, vazio, o computador não estava funcionando. No último, lotado, na nossa vez, fechou um caixa. E, também na nossa vez, o outro caixa fechou, porque acho que acabou o sorvete do planeta.

E eu estava como? De boa.

Na farmácia, uma fila quilométrica. Sabe farmácia pequenininha de shopping? Então. Quando cheguei, finalmente, ao caixa, adivinhem? Não fechou, porque era único, mas o sistema saiu do ar e ficamos ali esperando. Se Marina não me pedisse todos os doces expostos, eu diria até que eu estava imune ao universo. (E estava quente, hein?)

Não sei qual é o meu critério, mas sou absolutamente capaz de ver o mundo se acabando e ficar lá quieta esperando. Acho até que é por isso que sou uma pessoa fácil de lidar. E é daí que vem a impressão equivocada de que sou uma pessoa de boa convivência. Porque uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa. Quase nunca sinto algum tipo de necessidade absurda de falar tudo que eu quero, na hora que eu quero ou pra quem eu quero. Mas, no dia que eu CISMO, meu amigo… é um estrago. Eu falo é de um tudo, sem usar UM palavrão. Se bem que… “foda-se” é palavrão?

O única pessoa no mundo que conhece meu termômetro é Marina. Nem minha mãe sabe. Aliás, nem eu.

Mas, conseguimos comprar um sorvete. Não era bem o que ela queria, mas, como eu disse: eu estava de boa. No máximo fiz uma carinha de deboche, que pra quem sabe ler é “parabéns, vocês são horríveis”. Acho que ninguém notou. Só Marina que riu muito.

2016

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2016 foi um ano que me deixou exausta em relação às pessoas. Não é falta de amor ao próximo… É uma frustração. Eu sempre soube que ninguém é perfeito (inclusive eu), mas nunca havia me dado conta do quanto todos se acham absolutamente certos, invencíveis, imbatíveis. Que preguiça dessa gente cheia de caráter. Que preguiça de gente que vai pro céu. Que preguiça de quem quer o melhor para mim. Que preguiça!

2016 foi um ano de saudade. Saudade do meu pai, que se foi há pouco mais de um ano.

2016 foi um ano que fiquei mais pobre (não tenho vergonha desse status). O Estado quebrou, acumulei dívidas, e precisei voltar para casa da minha mãe. Sim, foi o ano que perdi meu espaço. Perdi minha liberdade de deixar o tênis onde quisesse, de não ter que ficar explicando toda hora o que estou fazendo, aonde vou, com quem e o porquê.

2016 foi um ano que tentei mudar o rumo da minha vida. Absolutamente todos os caminhos e todas as portas estavam fechadas. Insisti em relacionamentos velhos, que eu nem queria mais, só para ter a sensação de que meu coração estava batendo ou que eu poderia consertar e ter um novo recomeço. Graças a Deus essa porta também se fechou.

Daí então que chega um momento da vida da gente que a gente tem que viver aquilo ali. A gente tem que ficar quieta e esperar a tempestade passar. O buraco é fundo, é escuro, faz frio e você está sozinha. Deus existe, sim. Se Ele está te olhando? Dizem que sim. Mas, eu prefiro não entender essa parte.

2016 então foi uma merda? Foi.

Fui infeliz em 2016? Não. Perdi (quase) tudo em 2016, mas humor e esperança faz parte do que sou e é o que me faz andar para frente. Daqui a pouco chega a minha hora.

Aprendi que família é tudo. A gente sempre soube, mas, olha, é tudo de verdade, de verdade. Mais que tudo no mundo. Aprendi que sou a melhor mãe EVER. Aprendi que aluno precisa da gente quase como precisa da mãe. Acredite. Aprendi que pessoas criativas gostam de mim. Aprendi que sei conquistar um coração difícil. Aprendi que sou uma pessoa boa. Aprendi que boas intenções não substituem ações. Aprendi que que cada um ama do seu jeito, e não como a gente quer. Aprendi também que a gente aceita se a gente quiser.

Não vou criar metas positivas para 2017, apesar do meu coração estar cheio de sonhos. Por enquanto só desejo que 2016, com tudo que ele significou para cada um, vá embora e não volte nunca mais.

Dos retalhos

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Estive pensando num texto que falasse sobre recomeço. No entanto, quantas vezes fiz textos sobre recomeços? Acho que o tempo todo. A vida e essa mania de toda hora me dar uma rasteira… E eu, que evito me fazer de vítima, sempre tentei olhar pra cima, usando palavras de incentivo e otimismo, com a certeza de que aquela era só mais uma história dentre tantas outras.

Meus recomeços são atípicos. Não procuro os amigos pra me divertir, não caio na noite, não procuro academias e nem posto nada prazinimigas verem que tô ótima (outh!). Acho uma boa ideia… Revigorar a alegria. Mas, no máximo mudo o cabelo. E me reservo aos meus pensamentos, filmes e livros. Às vezes recorro a alguém para conversar. Às vezes para lamentar, às vezes para dividir ou só para distrair.

Nem sempre fui assim. Olhando pra trás, vejo uma imensa colcha de retalhos. Vários tecidos de diferentes cores. Diferentes linhas. Retalhos velhos e novos. Vários cortes de cabelo. Várias festas. Vários amigos. Vários livros. Várias fotos. Várias casas. Várias dietas. Vários amores. Várias formas de me consertar, ficar bonita e confortável.

A minha última historia de amor foi algo que a principio eu achava divertido. Depois eu virei uma pessoa triste, depressiva, doente. Virei alguém que eu não conhecia: descontrolada, passando por cima de mim, do meu orgulho, dos meus princípios e ética. Com minha colcha brega aprendi que quando tomamos uma decisão, temos que pagar o preço dela. Se era um relacionamento que eu havia escolhido, eu evitava falar sobre os problemas que ele me trazia. Não adianta reclamar de um relacionamento que você decide ficar. Não adianta colocar a culpa no outro. Não adianta gostar de alguém que te faz mal e ser feliz ao mesmo tempo.Eu sabia. Mas, ficava com aquela esperança triste e silenciosa de que talvez eu pudesse ser feliz de novo com aquela pessoa que eu tanto gostava.

Essa história de amor acabou e eu precisei de muitos retalhos. Atrevo-me a dizer que essas costuras faço até hoje… Muitos eus foram desfeitos, assim como outros foram criados.

Lembrando de tantos retalhos ao longo da minha vida, hoje queria escrever um texto que fizesse com que eu me convencesse, que realmente a vida todos os dias nos dá oportunidade de recomeçar. Ou seria de se reinventar?

Atualmente existe um pedaço de mim… A vida andou me ensinando muitas coisas enquanto eu não prestava atenção. A gente tem por hábito depois juntar tudo, costurar e virar quem a gente é. Funciona assim. A vida. Mas, a morte… ela ensina o quê? E eu estou prestando atenção desta vez. É um retalho que não se costura. É um pedaço de mim que não sei o fazer com ele. Não se joga fora, não se esquece, não se queima, não se apaga. Eu acho que a gente dobra, coloca no bolso e carrega para sempre.

Recomeçar. Renascer. Reinventar. A gente vira artista sem querer. A gente faz arte todo dia, e ninguém sabe. Nem a gente.

Tum-tum

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Percebi que meus olhos estão abertos. Tudo continua igual. As horas ainda parecem dias. O telefone tocou, a campainha, minha filha chamou, minha família, meu trabalho, meus amigos.

Existe uma estreita diferença entre querer morrer e não querer viver. E eu não queria mais, se eu pudesse. Queria que tudo parasse, mas existe tanta vida em minha volta, que ela me chama o tempo todo para levantar. Estou viva. Por mais que isso pareça inacreditável, meu coração continua batendo. Fraco, mas muito, muito vivo.

Há uma solidão em mim, que não me incomoda. Ela é responsável por várias horas de TV e leitura. Não mais a escrita. Mas, não sou triste. Bem, talvez eu seja. Relações, de qualquer natureza, não fazem parte das minhas (poucas) habilidades. Só vejo meus amigos quando tenho vontade. Na verdade, todos são assim… a diferença entre nós é que eu quero pouco. Minha família também reclama sobre minha falta de amor. No enterro do meu pai uma tia me disse que uma vez ele (meu pai) lhe disse que me achava igual a ela: fria. Eu não sabia que meu pai me achava fria. Essa descoberta não me entristeceu. Ora, talvez meu pai tivesse razão.

Em minha defesa digo que não é por querer. Já tentei explicar de diversas formas, porque é importante para mim que as pessoas que me amam saibam que as amo também. Descobri que não é que eu não dê importância às pessoas. Eu não gosto é de sair do meu ninho, e dificilmente gosto que tenham acesso a ele.

Acho que depois que tive Marina meu amor foi tão canalizado, que não consegui mais dar conta de ninguém. Minha filha, graças a Deus, se sente muito amada e feliz. Até porque ela faz parte do ninho. Aliás, de uns tempos pra cá ela acorda de madrugada, levanta e vem na cabeceira da minha cama me dar um beijo na testa. Não chorem com que vou dizer, mas desde então acho que é meu pai me beijando.Talvez seja uma grande besteira, mas viu, pai, eu não sou fria não.

Opa, esse texto não é para ser triste.Mas a gente que lida com uma perda dessa dimensão, pensa muito no sentido da vida. E meu coração está tão preenchido pela força que faz ele bater, que não consigo me dar ao luxo de ser infeliz.

Com tanta coisa importante no mundo, resolvi trocar minha foto de perfil do Facebook, pela foto do Leonardo DiCaprio, me juntando à galera que torce para que ele ganhe o Oscar. O que isso significa pra mim exatamente? Ora, porra nenhuma. Mas, eu ri. Quero que ele ganhe, mesmo que isso não signifique absolutamente nada. Quero brincar. Quero ir num show do Paul McCartney de novo. Quero comer comida japonesa.Quero ir pra praia. Quero assistir Friends.Quero uma sobremesa maravilhosa, e não vou sentir culpa! Aliás, não vou mais sentir culpa de nada. Meu coração não bate pra isso.

Não estou forte, mas estou viva. O coração está pesado, mas o sorriso é sincero.

Vida após a morte

Dos meus 42 anos de vida, há dois meses vivo sem o meu pai. Ele teve uma série de complicações, inofensivas a princípio, que em uma semana debilitaram seu corpo – frágil pelo tabagismo -, que resultou numa parada cardíaca.

Não vivíamos na mesma casa há aproximadamente uns 5 ou 6 anos, mas nunca saí de perto. Minha casa é exatamente em frente à casa dos meus pais. Desses 42 anos, convivi com eles todos os dias da minha vida. Raríssima exceções por alguma curta viagem. Todos os meus aniversários, dos meus irmãos, dos nossos filhos, todas datas comemorativas.

Há dois meses minha mãe não convive mais com seu marido, juntos há quase 50 anos. Há dois meses eu e meus irmão não temos o nosso pai. Não vou enfeitar o texto mostrando o quão maravilhoso ele era. Ele também era chato pra caralho. Mas tenho certeza que ele cumpriu com muita competência o seu papel, com todo amor e dedicação que um pai deve ter. E hoje estamos aqui com a sensação de que a vida que a gente tinha acabou, e que daqui para frente é um tudo de novo.

Tenho a impressão que luto não é dor. Luto é um estado de espírito que vai além de todas as dores que você já sentiu ou imaginou que poderia sentir. É algo além das emoções. Não é tristeza… É falta de vida dentro de nós. A vida que tivemos até hoje, morre. Eu já havia perdido algumas pessoas muito queridas, mas nunca alguém que fazia parte de mim. Já tive perdas materiais e emocionais. Já me senti humilhada, devastada. Já fiquei sem esperanças, sem direção, sem amor. Mas, nunca, nunca havia me sentido sem vida. No entanto, existe vida a nossa volta. Tudo continua igual e nada parou de funcionar. Só você.

Lidar com o mundo passou a ser um (re)aprendizado. As pessoas perguntam se está tudo bem. Costumo dizer que sim, mas a verdade é que eu não faço a menor ideia. Eu tenho que reconceituar minha vida pra saber.

Nós fomos imensamente acolhidos pelos amigos e familiares. Minha mãe recebeu visitas a semana inteira. Particularmente, rejeitei tentativas de aproximação: telefonemas, encontros, visitas, mensagens. Algumas respondi, mas, de todo coração, não sei qual foi o critério. Sei que muitos, se pudessem, até me pegariam no colo… Mas, eu só queria ficar sozinha e em silêncio.

Porém, existe um outro lado das boas intenções, que não posso deixar de alertar. Talvez por não saber ao certo o que nos dizer, alguns recorrem às religiões para tentar nos consolar. Preciso lembrá-los que geralmente os enlutados têm sua própria religião e estão lutando com ela. O melhor é dar um abraço e se mostrar solidário e amigo. Não chova no molhado, mesmo que seja de coração ou porque não encontrou palavras melhores. Não sabemos os planos de Deus, mas foi melhor assim. Deus sabe de todas as coisas. Ele agora está melhor. Com o tempo você se acostuma. Lembro de estar sentada na calçada de casa chorando, uma vizinha que não conheço muito bem, parou para me dar um abraço e dizer que meu pai era muito querido, que lamentava muito, mas que, por favor, era pra eu parar de chorar, porque era muito pior para ele se desligar da Terra. Tá bom? Tá bom. (TEU CU)

É verdade também é que a gente perde um pouco a fé, mas isso faz parte da falta de vida que disse ali em cima. Eu acredito em Deus, e quando tenho oportunidade, falo da minha fé. Quando meu pai faleceu, eu disse para Ele que não me revoltaria como muitos fazem. Disse que estava ciente de que um dia eu passaria por isso, que essa era a lei da vida e que nosso (eu e Ele) relacionamento ainda estava de boa. Só que… levei mais de um mês para falar com Ele de novo.

Há dois meses eu choro todos os dias, por motivos diferentes. É uma readaptação muito lenta. Tentamos não nos deixar levar e também a tentar lutar por nós mesmos. Eu ainda falo dele todos os dias, mas sem medo. Lembrar e falar do meu pai JAMAIS deverá ser uma tristeza. A saudade esmaga a gente e é com ela que a gente luta.

Tenho lido alguns livros que falam sobre espiritualidade. Curiosidade de saber como ele pode estar “vivendo” num outro lugar. Se pode nos ver ou estar por perto. Se está bem, se está feliz, se estão cuidando bem dele.Ninguém e nem nada nesse mundo pode censurar o meu choro, mas entendo que, independente de religião, o melhor, inclusive para nós mesmos, é lembrar dele com muito amor e alegria. É muita pretensão achar que cuidaríamos melhor do meu pai, mas mesmo assim sempre peço a Deus que cuide bem dele por nós, e que transmita todo amor que a gente sente.

Enquanto isso, por aqui a gente tenta manter o seu legado. Queria contar pra ele o que a gente tem feito. Aliás, pai, hoje eu coloquei o rejunte no box. Aquele que você deixou aqui e disse para eu fazer porque era facinho. Fiz igual a minha cara. Você faria melhor, mas… nosso lema é fazer mesmo sem saber, porque no final Deus ajuda e a gente sempre acerta. Ou não. :-P

Às vezes penso que poderíamos ter feito diferente. Todas as vezes que ele foi ao médico e este determinou repouso, que deveríamos ter arrumado um jeito de amarrá-lo em algum lugar. Ele subia na casa pra olhar a caixa d’água, ia à mercearia e trazia peso, mudava os móveis de lugar, ia bater perna na rua. Não adiantava brigar. Ninguém mandava nele. O que me consola é que ele sempre foi dono da sua vida.

A morte existe.E ela não leva apenas quem se foi. A gente fica aqui num tipo de realidade paralela, reaprendendo, reconceituando, sobrevivendo.Sei que vai chegar um dia que não teremos aquela pontinha de angústia ao reunir toda família. Sei que nossos filhos darão (mais) sentido às nossas vidas, ao nosso trabalho, às festas e em algum momento tudo volta algo que seja próximo ao “normal”.

Às vezes quero acordar desse pesadelo, que se tornou vida.

Que Deus nos ajude a voltar a sonhar.

NA NA NA NA NA

Esse texto não é uma retrospectiva de 2014. Mentira, é sim. Mas, prometo que, apesar de toda probabilidade, não vou te cansar. Até porque, se você faz parte dos meus 14 leitores do mundo inteiro, e lê os meus textos até hoje, é porque, além de acreditar em Papai Noel, me acha irresistível.

Então que hoje, conversando com meu pai, após várias reflexões, ele me alertou sobre uma supersticiosa falta de sorte cármica. Não se verbaliza um desejo. Dizem que dá azar. Por isso relutava em me dizer algo que desejava que desse certo para mim. Não contou para ninguém, receoso, para proteger o que lhe era valioso. Daí que, pela primeira vez na vida, como se não acreditasse em desatinos, respondi: tem problema não, pai…o vento tem andado a meu favor… pode me contar.

Inédito. E incrível.

Sempre julguei meus anos como uma sucessão de caos, misturados com uma terrível sensação de que o universo era uma piada. Aliás, a piada era eu. Não, não! Não se trata de um drama existencial. Não desta vez. Apenas perdi a identidade. Fiquei perdida no meio do furacão. Consequentemente, parei de escrever, e com a mais sincera resistência, confesso que desaprendi. Minha escrita não amadureceu comigo, meu vocabulário não renovou e tudo parecia um filme repetido, assistido e escrito tantas vezes. Acho que infeliz nunca fui, mas esse filme estranho, que me recuso a reescrever, já estava cansativo.

Que fique claro que meus verbos no passado não mudaram o filme, mas tenho a impressão de que deixei o filme no mudo, e por uma falta de opção física ou emocional, liguei o rádio. No meio de tanta teoria, quem sabe se quem canta os males espanta?

Tenho o hábito de usar fones no ouvido para distrair os pensamentos e ignorar o que não quero ouvir, como pessoas desconhecidas que puxam assunto ou as conhecidas que puxam também. E esse hábito me serve como analogia para um suposto fone de ouvido que o universo me deu, provavelmente no Natal passado, porque em 2014 fiz tanta coisa legal, cumpri tantas promessas que me fiz! Aliás, se você nunca cumpriu uma promessa que se fez, por favor, experimenta! Me dei um monte de presentes. No Dia das Mães o presente foi da minha filha. Cantei as músicas mais lindas do planeta, num coro apaixonado, regido pelo Paul McCartney. Não tive medo do “não”. Me acabei com vários “sim”. Só não consegui começar a dieta segunda-feira, porque, né? Comer é bom pra c*ralho.

Talvez o cosmo tenha me perdoado, porque finalmente eu admiti que sou/estou perdida. Ou um caso perdido? De qualquer forma, me perdi e decidi que vou ficar por aqui mesmo. Poetas dizem que a gente não pode se conformar, mas eu não sou poeta, e o mundo, pra mim, sempre foi uma bagunça. Então, me dou ao luxo de me conformar, e ficar. Eu sou essa pessoa que você conhece e reclama. Aliás, céus, como reclamam! Bem que tentei mudar, mas não deu certo. Chegou a hora de você também se conformar. Daqui eu não saio mais.

Não tenho planos para 2015, mas já tenho algumas ideias. Meu pai não me aconselharia verbalizar desejos, e eu não me atreveria contrariar tal sabedoria milenar, mas já que o vento tem sido meu amigo, arrisco desejar um 2015 cheio de NA NA NA NA NA pra mim. E pra você.

Hey, Jude, don’t make it bad
Take a sad song and make it better
Remember to let her under your skin
Then you’ll begin to make it better.

Paul McCartney