Dona-de-casa #fail

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Desde que me conheço por gente, o sonho da minha mãe é que eu seja uma ótima dona de casa. Não é por maldade…. É por criação. Mas, como boa ovelha negra da família, que sempre fui, a “incompetência” não foi dela: eu sempre nadei contra a corrente.

Não sou exatamente uma péssima dona de casa, porém, para quem quem possui o mínimo conhecimento de causa, percebe que não tenho muito jeito. Cresci com dois irmãos, que não tinham o mínimo de obrigação doméstica. Por outro lado, eu não podia nem questionar o porquê, se éramos todos irmãos, eles tinham privilégios e eu não. De raiva, eu não fazia. Vivi boa parte da minha adolescência de castigo por ser desobediente. Também era acusada de ser ruim, de não ter coração por não ajudar a mãe. No entanto, nenhum argumento me comovia. Preferia o castigo.

Meus pais não conversavam muito sobre estudo comigo, nem sobre carreira. Não lembro se algum dia foram a alguma reunião de pais. Não perguntavam minhas notas. Minha obrigação era passar de ano. Afinal, eu não poderia ser uma esposa burra. Estudei em colégios ótimos, verdade. No entanto, também não lembro de ser questionada ou orientada sobre que carreira gostaria de seguir. Quem me cobrava era a escola, porque, afinal de contas ela era ótima, e já sabia que eu tinha que conquistar meu espaço.

Não fui incentivada a ler. Mas, na minha casa havia muito (muitos!) livros. Meu pai comprava, porque achava que a estante ficava muito elegante cheia de coleções de capa dura. E era verdade. E, acredito que tenha sido num dos momentos de ócio do castigo, que fiquei intrigada olhando para tantos livros, que nunca haviam sido mexidos. Ora, como seria possível que no meio de tantos, não existiria pelo menos UM que fosse interessante?

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Na verdade eu já havia fuxicado alguns sobre “educação sexual”, por curiosidade. Aparelho reprodutor feminino. Não se falava disso na escola, e muito menos em casa. Via as imagens ilustrativas para tentar conhecer meu corpo. Única coisa que eu sabia era que um dia sairia um “sanguinho” de mim, e isso queria dizer que eu estava “mocinha”. Mas, eu também não entendia o que isso significava.

Um dia resolvi arriscar em outra área. Queria um livro para entretenimento, que não tivesse a ver com as chatices da escola. Escolhi um dos mais finos, para não correr o risco. Queria um aperitivo. Li “O retrato de Dorian Gray”. O resultado vocês já sabem. Mais tarde descobri que li muitos clássicos da literatura mundial, sem obrigações acadêmicas, por lazer, nos momentos que ficava de castigo por me recusar a, talvez, lavar a louça.

Percebi também que o mundo além da minha casa era outro que não me dava privilégios. Não era apenas dentro da minha casa que eu ficava de castigo. Todos me obrigavam a ser, a fazer, a ter, a qualquer coisa que ninguém havia me perguntado se eu queria, se eu permitia, se me interessava. Difícil se impor. Difícil ter opinião sem ser ridicularizada. Difícil vencer uma discussão quando já estão determinados a não te ouvir. Difícil lidar com homens. Difícil lidar com mulheres.

Morando sozinha percebi que eu não só não sabia o que eu “deveria” saber, como também não sabia o que ninguém achou que um dia poderia. Comprei uma caixa de ferramentas, que foi se aperfeiçoando com o tempo. Aprendi a usar furadeira. E tive que vencer o pior de todos os medos: o de baratas. Parei de ter medo e passei a ter ódio. Tive que enfrentá-la diversas vezes, com sangue nos olhos. Uma gladiadora.

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Sou mãe de uma menina. Finalmente algo que parecia familiar: brincar de bonecas. Mas, a primeira vez que segurei aquele pacotinho, era oficial: deixa a criança brincar do que quiser, porque absolutamente nada nos influencia ou prepara para realidade. Diz minha mãe que uma vez meu pai comprou um carrinho pra mim, e eu (que tinha uns dois anos) adorei. Ela, por sua vez, brigou com ele e lhe fez ir à loja trocar por um brinquedo de menina. Convencido do erro, ele trocou. Parece que a primeira oportunidade que tive, fiz xixi em cima da boneca. Ele foi lá e comprou o carrinho de volta. E eu brinquei de um tudo quando criança, viu? Mais tarde gostei muito de bonecas, de brincar de casinha…mas eu tinha um carrinho de rolimã que era venenoso. Gostava de brincar com os meninos também… E mesmo que eu acabasse por não gostar da brincadeira, queria aprender por curiosidade. Assim soltei algumas pipas (aqui no Rio a gente chama de “cafifa”) e joguei bolas de gude.

Lembro que quando eu estava grávida cheguei a desejar um menino. Sim, porque, pra mim, meninos são livres. Meninos não ficam de castigo, podem andar quase pelados no calor, são mais fortes fisicamente e são mais acolhidos pelo mundo. Não subestimem quando digo que quis um menino por amor. Mas este desejo foi diminuindo à medida que eu percebia que a maternidade em si era o maior desafio, independente se fosse um menino ou uma menina.

Meus pais não foram ruins para mim. Eles foram pais que tentavam acertar. Tenho certeza que eles acreditavam que era para o meu bem.

Julgo-me boa mãe. Acredito que a gente aprende a amar com o amor dos nossos pais…e eu tive muito, afinal, uma menina, além de tudo, era criada para ser amada e cuidada.

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Não tracei algum plano estratégico para a educação da minha filha. Sigo meus instintos. Permaneço com os acertos dos meus pais, e evito os erros. Sim, EVITO, porque educação fica enraizada. Às vezes noto que posso estar errada, quando percebo que um assunto foi encerrado de forma que não tenha me dado a absoluta certeza da minha decisão. O olhar dela para mim é diferente. Não é apenas uma pirraça. É sentimento. Então a gente conversa. Já voltei atrás algumas vezes. Mal sabe ela que analisei até a posição de suas sobrancelhas, no meio do nosso silêncio à espera da minha resposta.

Não deixo minha filha xingar, porque não faz parte do vocabulário infantil. Oriento que ela “tenha modos”, sim, porque não quero que ela se exponha. Nunca lhe comparei a um menino. Na hora das tarefas domésticas, a psicologia vai depender do meu estado de espírito: ou será “Cata essa p*rra toda, porque não sou sua escrava” ou “meu amor, a casa é NOSSA, então você também tem que cuidar”.

Talvez eu tivesse ficado menos de castigo se fôssemos todas meninas. No fundo, teria sido mais fácil ter me conformado. É muito solitário nadar contra corrente. Mas, pensando bem… melhor nadar contra corrente do que lavar a louça, né verdade? Deus me livre.

1 Comentário

  1. Caramba que texto delicioso e quanto me identifiquei nele! A diferença é que até que gosto e aprendi a fazer as coisas de “casa”. Mas a constatação das diferenças entre filhos e filhas, a vontade de brincar as brincadeiras de moleque, não gostar de brincar de bonecas, ser briguenta e pisar firme nas convicções encarando inclusive as consequências. Parabéns! Vou virar freguesa desse blog!

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