Sabe, me acho meio ingênua. Não sou bobinha, não tenho vocação para Sandy, e nem, graças a Deus, acredito nas propagandas da Polishop…Já descobri que o coelhinho da páscoa é uma farsa, que Danoninho não vale por um bifinho, e que chocolate diet também engorda. Só ainda não me conformei muito com a história de que Papai Noel não existe. Era a minha última esperança de continuar vendo o mundo do jeito que eu via quando era criança. Talvez assim ele parecesse mais colorido. Mas aprendi também que acreditar em mentiras só colore a imaginação.
A gente cresce com o tempo e vai aprendendo a desacreditar em tudo que haviam nos ensinado.
Lembro da minha mãe dizendo para sempre respeitar os mais velhos, que não podia chamar a mamãe enquanto estava conversando, e nem se meter nas conversas dos adultos. Não podia brigar com os amiguinhos, e que era muito feio não querer devolver o brinquedo do outro, que quando eu quisesse qualquer coisa, podia sempre pedir ao papai, que ele me daria. Às vezes demorava, mas ele sempre dava um jeitinho. Lembro das coisas que não podia fazer na frente de ninguém: não podia tirar meleca, fazer sapo (arrotar) e nem soltar pum. Se eu me perdesse, que ficasse parada no mesmo lugar, sem medo, porque já já mamãe me acharia. Ensinou que deveria vir embora na hora do almoço, que era feio ficar olhando as pessoas comer, e mais ainda deixar alguém me olhando, e que eu deveria sempre dividir. Quando pedir algo, sempre “por favor”, e nunca deixar de agradecer, “obrigada” (porque menino fala “obrigadO” e menina fala “obrigadA”, sabiam?). E principalmente: nunca minta para mamãe, porque “quem fala a verdade, não merece castigo”.
Algumas coisas não desaprendi. Continuo não fazendo na frente das pessoas o que é feio, porque ainda sou muito educada, obrigada. Ainda continuo não querendo nada de ninguém. Bom, quase nada. Mas quando me perco da minha mãe no supermercado, fico rosnando procurando por ela, e quando a encontro, chamo de descontrolada, compulsiva, às vezes de véia caduca, e pergunto quem mandou sumir! E lá se foi a educação e o respeito pelos mais velhos.
Mas a maioria desaprende o que sabiamente a mamãe ensinou lá nos tempos que ainda acreditávamos em Papai Noel, e do mesmo jeito que ele vira mentira, a gente desacredita na educação das pessoas, no bom senso e respeito. Gente que suja a rua, que desrespeita idosos, trabalhadores ou pessoas humildes. Gente que quer o que o outro tem. Gente que não tem o menor conceito do que é respeito. Basta assistir ao Jornal Nacional, e talvez, quem sabe, entrar num processo de síndrome do pânico, no meio de tanta informação, que agride nossa sensibilidade. A gente leva tanta porrada, ou vê tanta coisa acontecendo, que passa a ter medo de conviver com as pessoas.
Contudo, de todas as coisas que precisei desacreditar para me proteger, o que mais me desapontou foi ter que desacreditar na verdade. De como fui castigada por dizê-la, e de como já usaram minhas verdades contra mim. Quando somos verdadeiros nos expomos, e ficamos vulneráveis àquelas pessoas que roubam tudo que nos é precioso, porque sabem onde guardamos a chave da porta da frente.
Cheguei a achar que verdades estariam restritas apenas àqueles que a gente ama, e na melhor das hipóteses, a quem nos ama de volta e nos retribui o coração com a mesma sinceridade, principalmente nossos pais e irmãos, mas também nossos amigos e aquele amor que a gente acha que vai ser para vida toda. Basta as mesquinharias dos outros e notícias do Jornal Nacional.
Porém, de uns tempos para cá, descobri que amigos às vezes nos retribuem amizade com mesquinharias e pobreza de espírito; e que aquele amor para vida toda era tão verdadeiro quanto Papai Noel. A sensação que tenho é que guardei as meias que colocava na janela. Acreditar naquele amor para vida toda é olhar para o céu e esperar papai Noel chegar, com todos os nossos sonhos dentro daquele enorme saco vermelho. A diferença é que quando eu acordava, meus sonhos estavam lá debaixo da árvore.
Acho que minha mãe conseguiu me ensinar a ser uma pessoa boa. Ela só esqueceu de me ensinar a ser esperta. Talvez tivesse esperanças que eu percebesse que tudo muda quando a gente cresce, e que com o tempo eu aprenderia. Mas gosto de finais felizes, mesmo que não seja em Bali. Mesmo que a vida não seja em Neverland. Mesmo que o sonho acabe. O final feliz dessa história é que mesmo no meio de tantas mentiras e frustrações, eu ainda estou aqui, em pé, mesmo que toda machucada, ainda incapaz de roubar alguma chave de porta da frente.
11/08/2007
Sabe, a internet é uma loucura. Tantas coisas sendo ditas ao mesmo tempo, você mal consegue digerir uma coisa e lá vem outra para te engolir com toda força.
Mas algumas vezes encontramos coisas tão ricas, tão inspiradoras, tão ‘reflexos’… Foi assim que me achei quando fui redirecionada para teu blog para ler o texto “Por que não sou a mulher da sua vida”.
Tem muitas coisas que eu mesma já escrevi, claro com palavras diferentes. Alguns estão no meu blog, outros perdidos em alguma lixeira virtual.
Só quero te dizer que seus sentimentos, apesar de serem únicos e exclusivamente seus assim como suas experiencias, existem pessoas que passam as mesmas coisas também de forma unica mas compartilhada.
É bom saber que existem mais de ‘nós’ por ai.
Não faz muito sentido, mas é por ai. rs
Excelente o texto. É exatamente o que estou sentindo ultimamente. Mal do século de novo? Não sei. O que mais dói é ver nossas preciosidades voltarem em forma de nitroglicerina. (Nossos miudinhos, guardadinhos naquela nossa caixinha fofa, que nunca conseguimos nos desfazer). Dói também amadurecermos…principalmente quando escolhemos novos caminhos e somos obrigados a deixar algumas coisas para trás…ou pior…quando somos excluídos por fazermos novas escolhas….
Não era bem esse o rumo que havíamos planejado….acho que essa é a sensação.
Parabéns demais pelo texto!
Domingo, dia chuvoso, sozinha…. Preciso dizer mais?! Texto perfeito Dani! Parabéns!!!
Puxa… comecei a ler seu post e não consegui despregar os olhos. Valeu uma viagem à infância, valeu também uma viagem pra dentro.
Sempre me perguntei o que havia de errado comigo e com essa minha vontade de acreditar. Acabo de descobrir: como você, eu tinha que ter aprendido a ser mais esperto. Tinha que aprender que as pessoas mentem, não são sinceras. Algumas talvez nunca serão.
Mesmo assim, ainda quero acreditar.
Me identifiquei demais. Também estou assim: em meio a frustrações e mentiras que eu nem posso acreditar que foram ditas. E o bom é que também estou de pé. Mas, como não ficar? O instinto de sobrevivência nos faz levantar. Entretanto, a minha cabeça ainda está baixa, pareço nem ter força pra olhar em volta. O meu coração está doendo muuuito e o meu cérebro não consegue entender como as coisas chegaram a esse ponto. Ele esqueceu que é feio mentir, que a mãe dele disse que não se deve machucar a “coleguinha”, esqueceu de tanta coisa… A gente sempre se recupera.
A vida é muito mais difícil pra quem tenta usar a verdade, enquanto todas as outras pessoas ao redor estão jogando…
Mas se a gente cai, então fica provado que a verdade não valeu à pena.
Dani Means, nunca decepcionando. Maravilhoso, Dani.
Adorei! Acompanho seu blog a algum tempo e a cada dia que passa acho que você esta escrevendo sobre mim…
Pensei logo: “quem sabe ainda sou uma garotinha…”.
Profundo o texto…
Simplesmente incrível. Adorei cada palavra. Parece demais comigo.